Miguel Branco

Vista da exposição AR, Parte I, de Miguel Branco, fotografia de Macelo Costa.© Imagem cortesia da Galeria Belo-Galsterer, Lisboa.
Miguel Branco apresenta na galeria Galeria Belo-Galsterer a segunda parte da exposição ‘Ar’, até ao dia 30 de Março. Figura incontornável do panorama das artes visuais, a nível nacional, e detentor de uma vasta obra, inicia a sua carreira no final dos anos 1980, expondo, regularmente, a partir de 1988, dedica-se, fundamentalmente, à pintura, mas a escultura estará, também, presente. Entre as várias particularidades que caracterizam a sua obra, a noção de escala é essencial – muitas das suas obras são mais pequenas que um simples postal – o que se veio a alterar com esta exposição. Os animais são um dos motivos recorrentes no seu trabalho, nas últimas mostras, as borboletas, símbolo de beleza e efemeridade, têm tido um papel de destaque.
‘Ar‘ – dividida em duas partes – é uma continuidade do trabalho anterior: ‘Deserto’, apresentado no Pavilhão Branco, em Lisboa, e na Galerie Jaeger-Bucher, em Paris. A questão central nestas duas mostras é a metamorforse, aqui um processo de transformação que resulta numa imaterialização do corpo, um abandono da condição fisica através de uma espiritualidade ritualizada, que obedece a um processo de auto-conhecimento que visa a união com o absoluto.

Vista da exposição AR, Parte II, de Miguel Branco, fotografia de Frederico NS.© Imagem cortesia da Galeria Belo-Galsterer, Lisboa.
‘Deserto’, patente no Pavilhão Branco do Museu da Cidade, em 2011, foi comissariada por Bernardo Pinto de Almeida. Transcrevemos alguns excertos de considerações suas à obra de Miguel Branco, parte integrante de ‘O Devir-Imagem da Pintura’ in Professores Catálogo (Fundação Calouste Gulbenkian):
(…) O trabalho de Miguel Branco, isto é, a forma que a obra assim designada vai tomando, na pintura tal como, mais recentemente, na escultura com idêntica força, tanto pelo seu aparente preciosismo como pela forma que assume desde dentro – a de evocar aqueles pintores, quase anónimos na sua maior parte, miniaturistas e animalistas dos séculos XVII e XVIII – caminha, de vários modos, para o domínio do que poderemos designar como o campo de uma arte pós-conceptual. Que significa, neste contexto, tal afirmação? Tal que dizer, simplesmente, que o trabalho de Miguel Branco, apesar de se formular como se não fosse mais do que simples pintura representativa, aflorando mesmo nessa sua aparência uma certa feição decorativa, isto é, um sistema de signos mais ou menos convencionalizados que o simples bom gosto reconheceria, passa, na verdade, por uma desconstrução das formas mais ou menos convencionais da pintura, para se exercer como modo subtil de interrogar as possibilidades de, através dela, se ligar aquilo que, brevemente, embora se poderia designar como o novo campo expandido da imagem. É assim que, nesta (ainda assim) pintura, inteligente, culta e ao mesmo tempo quase cruel na frieza dos seus procedimentos, os elementos tradicionais como a disciplina no uso da cor, dos recortes, da profundidade, das transparências, ou mesmo o emprego ocasional da perspectiva, tal como da figuração, servem sobretudo essa vontade e propósito altamente conceptualizado de procura e de descoberta das possibilidades de gerar imagens a partir da pintura numa sucessão de simulacros do que a pintura outrora foi, mas ao mesmo tempo destituídos, como tal, da crença no seu poder simbólico de representação. (…)
(…) Poderia dizer então, do trabalho (propriamente plástico) de Miguel Branco, que nele se ‘inventa’ a possibilidade de uma pintura filosófica. Ou seja, de uma pintura que pressupõe um diálogo continuado com conceitos fortes e que se abre, do mesmo modo, ao diálogo com as diversas tradições da imagem.
Essa operação sucessiva de desconstrução, porém, pressupõe a compreensão do que antes foi construção. Do mesmo modo que a distanciação em relação à história (da pintura enquanto forma representativa) supõe o seu conhecimento e capacidade de agir sobre ela à maneira de quem consulta um dicionário. (…)
Ainda sobre a exposição ‘Deserto’ e as peças escultóricas que dela faziam parte: monges colocados no alto de colunas em processo de contemplação. Estas esculturas nascem a partir de uma escultura já existente do século IV, e como explica o artista: “Essa forma de expor, em coluna, veio da minha leitura de ‘Estranhamento do Mundo’, de Peter Sloterdijk. Há uma passagem sobre o exílio dos monges anacoretas que me interessou como acto poético e radical. Estes homens dedicavam-se a uma vida de total isolamento e colocavam-se no deserto sobre colunas de cinco, dez, vinte metros. Existe uma espécie de dimensão espectacular nessa espiritualidade, nesse género de renúncia à vida material, mundana. Num estado de transmutação, num estado de vigília, os homens transformavam-se em homens divinos”.
A seguir imagens de outras obras de Miguel Branco:

Miguel Branco, Sem Título, 1998, Óleo sobre madeira, 24 x 38 cm, Col. do artista. © Miguel Branco, cortesia do artista do artista e da Galeria Belo-Galsterer, Lisboa.
Miguel Branco nasceu em Castelo Branco (1963), vive e trabalha em Lisboa. Leccionou no Arco, onde foi responsável pelo Departamento de Desenho e Pintura até 2012. Expõe, regularmente, desde 1988, tornando-se uma das figuras marcantes da cena artística portuguesa. O seu trabalho esteve presente em várias importantes exposições internacionais de arte portuguesa: ‘Triptico’ Europalia 91-Portugal, Museum Van Hedendaagse Kunst, Gent, ‘Situation Zero, Recent Portuguese Visual Arts, Yerba Buena Center for the Arts, São Francisco e Portugal Agora, Portuguese Contemporary Art, Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean, Luxemburgo. É representado em França pela Galerie Jaeger Bucher. Em Portugal, encontra-se representado nas grandes colecções nacionais: Fundação Calouste Gulbenkian, Colecção Caixa Geral de Depósitos, Fundação Carmona e Costa, FLAD – Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Fundação EDP e Museu de Serralves. O seu trabalho também se encontra representado na Colecção do MUDAM, Luxemburgo. É representado em Portugal pela galeria Belo-Galsterer.
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