Artur Rosa: Escada | Helena Almeida: Desenho
> 7 de Março, 2015
Galeria Filomena Soares (Lisboa)
Artur Rosa | Escada
As obras apresentadas nesta exposição são, maioritariamente, dos anos 70, a década de maior actividade artística de Artur Rosa. Apresenta-se, ainda, pela primeira vez, a escultura “Escada”, um trabalho de 1984 que resume, em si, muitas das preocupações artísticas de todo o corpo de trabalho do artista. Comprovando-se, desta forma, o contrário em relação à aparente interrupção do seu trabalho artístico após a década de 70. A verdade é que, tal como em qualquer outro artista, os seus inícios encontram uma ponte para trabalhos posteriores, ainda que em formatos e moldes diferentes, como é o caso da arquitectura, àrea em que Artur Rosa ainda dá traço ao seu desejo de escultura e de instalação; ao seu desejo de jogar com a perspectiva e com as suas possibilidades dentro da escala humana.
Apesar das influências de correntes específicas da história da arte no trabalho de Artur Rosa é, extremamente, redutor centrar a leitura e a interpretação do seu trabalho apenas na herança da Op Art, do Minimalismo ou associá-lo a uma moral que advenha unicamente desses e de outros géneros artísticos.
Com um trabalho que aponta para o minimalismo e para as potencialidades geométricas, o traço e a cor ganham juntos para existir enquanto movimento perante o nosso olhar fixo. As obras expostas e projectadas vivem, igualmente, da capacidade do olhar de quem as observa: um espectador que, para além de sensível às transformações que a arte lhe traz, é, também, cidadão e, por isso, possuidor de um olhar que questiona, constantemente, aquilo para onde olha, o espaço em que habita; um espectador que, para além da abstracção que o trabalho artístico, naturalmente, acaba por trazer consigo, questiona de que forma os traços, as linhas e as cores de um lugar concreto potenciam a sua vivência entre seres vivos e objectos físicos.
Já na exposição inicial das suas obras se ambicionava esta equivalência entre o espaço do atelier, ou de exposição e o espaço de uma cidade: local de envolvência social, de vivência humana, assim como, de várias possibilidades geométricas dentro dos diferentes caminhos que esta proporciona.
A leitura do trabalho de Artur Rosa poderá, então, ser sugerida por esse mesmo caminho: um trabalho que, não longe daquele que o desenho traz no seu estado original, se joga sobre as linhas que dele saem e daquelas que a cor traz. Um trabalho que se constitui, igualmente, como um evidente jogo de perspectiva, chamando a si o espectador (um olhar, também, aqui, desconstruído no Auto-retrato do próprio autor); criando esculturas à escala da vivência de uma cidade, como em Escultura para Espaço Urbano I e II, gerando, igualmente, um espaço de movimento e de vivência humana por excelência – o mesmo espaço onde habita, hoje, a arquitectura do artista evocando, assim, a continuação do seu pensamento.
Francisco Valente, 2014
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Helena Almeida | Desenho
Poderá estranhar o visitante ao encontrar trabalhos de fotografia numa exposição intitulada “Desenho”. No entanto, os trabalhos de Helena Almeida convocam-nos muitas vezes para um certo segredo, um sentimento que surge, naturalmente, quando se olha para um trabalho ensaiado, coreografado, em que um corpo experimenta as suas posições dentro de um determinado espaço, perante a lente e o enquadramento da fotografia. Esse mistério, ainda que nunca totalmente revelado pois é o espectador que o transporta consigo no contacto com a obra, vê, neste título, a verbalização da sua origem ou o primeiro contacto do artista com a matéria que o permite exprimir-se.
A origem do trabalho de Helena Almeida é, precisamente, essa: um desenho que, pelo seu traço ensaiado numa folha de papel, responde ao desejo da artista criar, bem como, ao desejo de responder ao impulso de se exprimir por imagens, sem palavras ou através de um traço físico que traga, também, consigo a imaterialidade da expressão artística.
Com o mundo dentro de um cenário ou, arriscamos, de uma condição, a artista reproduz, depois do desenho, em coreografia, o gesto de (re)colocar o seu primeiro modo de expressão, agora, em fotografia. Vemos, então, um corpo que reage ao desejo de viver, perante a consciência de que a vida termina; um corpo que responde ao espaço onde ele trabalha, perante o desejo de também se libertar dele; um corpo que se pergunta, no seu resultado final – a fotografia – de que maneiras dispõe para se poder amar a si próprio e ao outro: quem lhe tira a fotografia, quem olha para ela, quem a transporta consigo, no seu íntimo, para além do espaço do atelier, da exposição e do próprio enquadramento físico da imagem.
Respondendo a um impulso ou a uma condição, o “Desenho” resulta sempre num traço livre e será, por isso, demasiado restritivo reagir aos trabalhos de Helena Almeida apenas pelas condições às quais estes respondem: a consciência de um limite para a representação de um corpo e dos seus impulsos; o enquadramento necessário ao olhar daquele que o vê; ou a existência de um género e de como este poderá definir o seu trabalho (ou a sua vida), apesar de também o fazer.
Estes mesmos trabalhos, embora nos falem daquilo que também, positivamente, nos prende, falam-nos de um convite à libertação, falam-nos da consciência de que o nosso olhar, no contacto com o outro, é uma via verdadeira para poder sentir, desejar e para encontrarmos uma expressão física que vá ao encontro de uma expressão imaterial. A expressão dos nossos segredos, da nossa intimidade, ou da correspondência que buscamos quando olhamos para a imagem de alguém que nos fala ou para o corpo de alguém que nos procura, e como, também, olhamos para este corpo agora. E, por aí, sermos desejo e movimento; presença e liberdade.
Francisco Valente, 2014