Yazid Oulab & AnaMary Bilbao

Caroline Pagès Gallery (Lisboa)

> 6 de Dezembro, 2014 

Yazid Oulab | Survivances

Survivances é a sua primeira exposição na Galeria Caroline Yazid Oulab, Vista de sala @ FRAC PACA, Marselha, 2013 Pagès e em Portugal. Nesta exposição incluem-se desenhos a grafite e esculturas feitas de arame farpado, pregos, cristal-de-rocha, bambu e grafite. ‘Do Ocidente, herdei a forma; do Oriente, a palavra.» Yazid Oulad As peças de Yazid Oulab são, na sua maioria, autobiográficas e polissémicas: testemunho de uma prática artística contemporânea e de um percurso espiritual nutrido pelo património e simbolismo da filosofia sufi. Porém, o Sufismo é apenas um dos aspectos do vocabulário formal deste artista. O seu trabalho revela a subtileza do paradoxo: filho de um pai operário e de uma mãe intelectual, Oulab define-se como um produto de ambos, referenciando e complementando o trabalho manual com a reflexão intelectual enquanto se apropria de imagética religiosa.

Clou e Alif são a pedra angular do trabalho de Yazid Oulab. Em 2006, começou a desenvolver o prego enquanto motivo. Conforme o momento e o local de uso, o prego assume diferentes significados: em tempos serviu como moeda de troca, é um importante utensílio arquitectónico e referencia ainda a escrita, uma vez que na Mesopotâmia era usado na escrita cuneiforme. Longe de se instituir como um equivalente espiritual da coluna estilita, este prego remete para o tipo de ocupação reservada aos imigrantes magrebinos em França; ocupação a que o próprio artista se dedicou ao chegar à Europa.

Os desenhos Stylites urbains são dedicados aos ascetas, que se exilavam no topo de pilares para apreciar a obra de Deus. A verticalidade desta estrutura recorda-nos as primeiras formas de escrita, a primeira letra que Ele revelou ao Profeta: em árabe, a letra «Alif» é também a primeira sílaba da palavra «ler, aprender». Enquanto Alifs tridimensionais, o cristal-de-rocha ou os pregos de grafite aqui presentes dão corpo a uma força divina que desce dos céus para ditar a palavra de Deus e educar a Humanidade. Sendo a palavra o caminho para a elevação, as figuras de estilo do artista assumem a forma de correntes, escadotes e andaimes.

Yazid Oulab Nascido em Constantina (Argélia) em 1958, Yazid Oulab vive e trabalha em Marselha, França. Oulab inaugurou o novo FRAC PACA com uma exposição individual comissariada por Pascal Neveux no marco da Capital Europeia da Cultura, em Marselha, em 2013. Recentemente participou na Bienal de Busan (Coreia do Sul), comissariada por Olivier Kaeppelin. Licenciado pela Escola de Belas-Artes de Argel em 1985, estudou, posteriormente, na Escolha de Belas-Artes de Marselha. Em 2009, foi convidado para uma residência artística no Atelier Calder em Saché, Touraine. Oulab expôs de ambos os lados do Mediterrâneo e por todo o mundo. Integrou inúmeras exposições colectivas em instituições como o Centro Georges Pompidou (Paris), o Grand Palais (Paris), o Musée des Abattoirs (Toulouse), o FRAC de Lorraine e Picardie, o Château de Servières em Marselha, a Haus der Kunst em Munique, o MUDAM (Luxemburgo), o Circulo de Bellas Artes em Madrid e o MNAC (Bucareste), entre muitos outros.

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Caroline Pagès Gallery

AnaMary Bilbao | Fallacious memory

Memória e Imaginação

Socorrendo-nos de Paul Ricoeur1 e da sua revisão da temática platónica da memória enquanto fenómeno que permite a criação presente de uma ausência, começaríamos por afirmar que todo o trabalho de memória parece implicar um trabalho de representação. Nesse trabalho de representação, inerente ao processo de recordação, antevemos naturalmente um processo de criação de imagens. Imagens que pensamos já termos visualizado, imagens que pensamos reaparecerem em nós, imagens que entendemos como auxiliares na experiência viva da memória. Deste processo, amplamente visual, decorre uma natural desconfiança. As imagens que nos permitem chegar à recordação de um determinado episódio, dirão única e exclusivamente respeito a esse episódio? Ou serão afectadas pelo gigantesco oceano de outras imagens que possuímos em nós? Para além disso, poderemos confiar na sua relação exclusiva com o passado e confiar-lhes esse carácter mnemónico, ou poderão decorrer de processos de criação original, resultando numa espécie de projecções futuras de uma determinada experiência presente?

Na série de pinturas sobre papel “Untitled (Fallacious Memory)”, que agora apresenta, sob a forma de exposição individual numa das salas da galeria Caroline Pagès, em Lisboa, AnaMary Bilbao procura justamente convocar um conjunto de questões implicadas na temática da experiência da memória. Desde logo, pela sua configuração formal. A serialidade, a utilização quase exclusiva da linha e da grelha, a economia da paleta cromática, o rigor e a contenção nos procedimentos, alimentados por uma lógica repetitiva e ritmada no fazer, parecem convocar-nos para um universo de revisão das práticas minimalistas, contrariada aqui unicamente por uma presença, ainda que ténue, da mão, implícita no desenho de cada uma das linhas.

Mas a investigação sobre os processos mnemónicos é ainda grandemente reforçada pelo próprio processo de construção destas pinturas. Ao observá-las cuidadosamente, reconhecemos de imediato a sua construção em camadas (não sendo inocente aqui a utilização do termo, uma vez que neste processo, tal como nos processos de recordação, assumimos o carácter arqueológico da experiência). Percebemos que no próprio processo de construção está implicado então um processo de desconstrução (o desenhar de uma camada de linhas sobre o gesso desvela a camada de linhas que lhe é subterrânea, tornando-a visível, dando-lhe presença, fazendo-a existir). Curiosamente, percebemos também que, aquando do seu traçado, a camada superficial de linhas procura mimetizar, com o máximo de exactidão, a camada de linhas inferior. A imagem duplo, resultante da grelha de linhas superior parece, assim, ser criada por forma a ir ao encontro – por entre a opacidade natural do gesso (metáfora do esquecimento e do tempo) – da sua imagem original. Para concluir afirmaríamos que, através deste processo de produção de imagens que dão lugar a outras imagens (com uma existência simultaneamente passada e presente), AnaMary Bilbao activa, em primeira instância em si e, num segundo momento, no espectador, justamente aquilo que poderíamos identificar como o território comum entre o universo da imaginação e o universo da memória.

Ana Anacleto, Outubro de 2014

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Caroline Pagès Gallery

AnaMary Bilbao (Sintra, Portugal, 1986). Trabalha em Lisboa, licenciou-se em História da Arte pela FCSH– UNK, fez um mestrado em Arte Contemporânea na FCH-UCP e estudou Pintura na Ar.Co – Centro de Arte & Comunicação Visual. AnaMary Bilbao começou a expor o seu trabalho em 2013, ano da sua primeira exposição individual, Presente passado, Galeria da Boavista (Lisboa), e participou ainda em exposições colectivas como On Drawing II, no Cristina Guerra Contemporary Art (Lisboa), Coisa mental. Obras da Colecção António Cachola (Campo Maior) e Correspondències Lisboa-Barcelona, organizada pelo Centro de Arte Contemporânea Carpe Diem Arte e Pesquisa no Centro Cultural Espai Mallorca (Barcelona). O seu trabalho está representado nas colecções António Cachola (Portugal) e Konrad Fischer (Düsseldorf, Germany), entre outras.

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AnaMary Bilbao


1 RICOEUR, Paul – Memory, History, Forgetting. The University of Chicago Press: Chicago, 2006.


(C) imagens e texto: cortesia dos artistas e Caroline Pagès Gallery.