Tomaz Hipólito: 2014 level_01_02_03
Tomaz Hipólito apresentou o seu projecto 2014 level_01_02_03 em três momentos e espaços expositivos distintos, em Lisboa, entre o final de Março e meados de Junho. Nas três acções performativas, de apresentação única e de curta duração, o artista explorou uma matriz comum que difere nas suas várias formulações no que respeita: ao desenho inscrito no espaço; à matéria e à desmaterialização; à cor, que adquire simbólica cumulativa, de uma acção para a seguinte; às convenções sociais de recepção da obra inerentes a um museu, a uma associação cultural sem fins lucrativos e a uma galeria, e que regem as variáveis anteriores. Através do gesto de medição e do desenho traçado em cada situação Tomaz Hipólito sugeriu impressões como a rigidez ou flexibilidade orgânica, a delimitação ou o envolvimento, e outras qualidades reveladas pelo contexto da sua apresentação. Esta trilogia site specific assenta numa gramática gestual e visual de extrema simplicidade e que, na sua complementaridade, ganha uma eficácia acutilante.
Espaços de apresentação:
2014 level_01: Sala do Veado | 31 de Março
2014 level_02: Carpe Diem Arte e Pesquisa | 10 de Maio
2014 level_03: Appleton Square | 19 de Junho
Três em linha
Thinking on drawing mostly excludes color. Line and color can of course be related in drawing but pencil, graphite, ink and charcoal have traditionally been considered the materials of the medium. Clarity and legibility may seem compromised by color, and lucidity of thought is exactly the aspect of drawing that is most valued. As in writing, this clarity seems to be linked directly to the fact that black tracing is easily discernible, in its contrast, against the presumed white background, while color is seen to confuse that perceptibility. A long-standing division between line and color accordingly persists in art history.
Ao atentarmos nos contextos onde tem decorrido a prática artística de Tomaz Hipólito constatamos o seu interesse em movimentar-se em diferentes tipos de espaços. É o estímulo despertado por determinado lugar que impulsiona a criação de cada trabalho, aliado à vontade de experimentação e de dar resposta a cenários com características e implicações diversas.
As suas séries fotográficas e as performances têm-se desenvolvido em lugares exteriores, como sejam uma praia, uma paisagem no deserto ou de uma ilha; em espaços interiores, como em casas particulares, escritórios ou terraços de edifícios emblemáticos ou ateliês de arquitectos–estes têm a particularidade de serem espaços onde se projectamoutros espaços; e também em contextos convencionados para a apresentação artística, como galerias comerciais, feiras de arte ou em organizações sem fins lucrativos.
A trilogia 2014 level_01_02_03 decorre em instituições consagradas a esta última categoria, com posicionamentos diferenciados no sistema da arte contemporânea: uma sala pertencente a um museu (2014 level_01), um centro de arte sem fins lucrativos (2014 level_02) e um espaço polivalente que alberga um projectocultural (2014 level_03).
No seu processo de trabalho, Tomaz Hipólito elege um tema central, habitualmente linear pela sua clareza, e este é dissecado e reequacionado por estratégias várias como a utilização de diversas perspectivas para o seu exame, a construção de uma gramática gestual específica ou a composição das imagens aquando da sua apresentação ao público. Esta nova série de acções performativas dedica-se à investigação da linha no espaço em relação directa com as condições inerentes aos locais que as acolhem; confere-lhe materialidades inusitadas pelo uso de utensílios habitualmente exteriores à criação artística. Cada acção tem uma formulação singular e a sua duração é inferior a dez minutos. A ligação entre o desenho, espaço e performance não é estranha à arte contemporânea. Entre alguns dos exemplos mais paradigmáticos dessa relação contam-se A Linemadebywalking(1967) de Richard Long e Upto andIncludingherlimits, (1971-77) de Carolee Schneeman. Porém, 2014 level_01_02_03 não se insere realmente nestes legados. A sua singularidade assenta na articulação precisa entre as três dimensões mencionadas e na pertinência da interpelação a cada contexto. A triangulação desenho/espaço/performance tinha já comparecido noutros trabalhos anteriores, nomeadamente em 2013 draw_04, realizada numa casa privada, em Brooklyn. Nesta, uma linha é inscrita ao longo de toda a casa, através do uso de tinta e de uma trincha, em diálogo com as características arquitectónicas desse local. Alguns espectadores tornam-se, nessa performance, parte da superfície pintada, funcionando como extensões das paredes. A inclusão do corpo do espectador torna-se mais uma superfície onde comparece a linha desenhada, o corpo e a arquitectura fundem-se, com esse gesto, através da linha.
Nesta trilogia, os movimentos executados são de uma gestualidade meramente utilitária, no sentido de servir a acçãoem curso, o propósito do traço, desempenhados por essa figura que se pretende neutral (nomeadamente pelo traje integralmente monocromático envergado). Ao ser realizada por um corpo que se desloca no espaço, cria-se, em cada acção, uma segunda linha, paralela à primeira (já nos seus trabalhos fotográficos o corpo torna-se objecto, e as suas poses, fixas, o centro da atenção da imagem).
Em relação aos materiais, no primeiro nível, surge-se o azul cíano em pigmento em pó e, no último, laser vermelho emitido por um dispositivo de medição, ambos utilizados na construção civil; na segunda acção, tensores elásticos verdes, geralmente usados para prender objecto sem transportes.
Em 2014 level_01, na Sala do Veado, as propriedades da parede irregular, em reboco, com vestígios de intervenções anteriores motivaram a criação de uma linha de metro, marcação preparatória que antecede a realização de obras a num espaço. Esta é gerada através do desempenho de acções repetitivas para fixar, em dois pontos, o fio que toca a parede e imprime o pigmento.
No Carpe Diem Arte e Pesquisa, sediado no Palácio Pombal, edifício seiscentista, uma série de tensores são unidos entre si pelos seus ganchos, esticados ao seu limite, desde o interior do edifício, até uma das casas de fresco situadas no jardim. Após colocação da última secção, os elásticos mantêm a (ex)tensão máxima por instantes, até sofrerem um corte. O som provocado pela projecçãodo elástico é amplificado pelas chapas de metal colocadas nas extremidades, onde os fragmentos embatem. Neste caso, a linha serve um intuito de ligação, entre interior e exterior.
Na terceira apresentação, na Appleton Square, espaço de paredes lisas, a luz vermelha tacteia o espaço às escuras. Deste modo, a atenção recai somente no desenho, em construção contínua, com cambiantes de intensidade e ritmo. Consoante a movimentação do dispositivo –através do movimento do artista –a linha reage, alonga-se ou encurta-se, revela cantos, calhas do tecto, vãos, multiplica-se, cria novas linhas e formas tridimensionais. A atmosfera contemplativa apela à sensorialidadee à percepção, e nessa medida evoca os ambientes e objectos de luz criados por James Turrell. Sobressai, nesta acção, o interesse de Tomaz Hipólito pela dobra, pelo canto, pela criação de formas geométricas, poliédricas, pesquisa iniciada em 2011 draw_02, apresentado na Residency Unlimitede em 2011 draw_03, apresentado na Appleton Square. Nos três casos, o corpo funciona também como ecrã de projecção e ligação entre o corpo e a arquitectura, do mesmo modo que em 2013 draw_04 constitui superfície ou tela para a continuação da parede.
Em 2014 levela linha prossegue a perscrutação especial: marca, delimita, assinala, torna visíveis as características dos locais. O resultado final do desenho inscrito no espaço assume novas especificidades em cada evento: na Sala do Veado a linha horizontal acompanha o perímetro das paredes; no jardim do Palácio Pombal, a diagonal tensa reduz-se aos fragmentos de corda projectadospara os seus limites; na Appleton Square, o laser vermelho mapeia a sala a 360o, ao mesmo nível.
Tomaz Hipólito documenta e revela os utensílios mobilizados para as acçõese os seus estudos preparatórios, através da apresentação de imagens e plantas anotadas. Por esse motivo, ao visitar-se a casa de fresco onde o artista realizou a sua residência no Carpe DiemArte e Pesquisa fica-se com uma sensação de risco calculado, bem medido –no rótulo da embalagem dos tensores consta um aviso para que os mesmos não sejam encadeados, imagem que o artista faz questão de mostrar.
No final, os três contextos desta trilogia site specific encontram-se também eles ligados por uma linha invisível, existente apenas pela proposta do artista. Três em linha, ou não fossem a vertente lúdica, o humor e a precisão, ingredientes que atravessam o trabalho do artista. A inclusão da cor é aqui habilmente orquestrada, sinal de clareza e limpidez de raciocínio. A sua soma (azul, verde e vermelho) constrói um RGB. A sua intersecção devolve-nos um espaço em branco, aberto a um novo nível, onde cabem, de novo, o gesto, a matéria, a cor e o desenho.
Luísa Especial, Junho de 2014
+ info:
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Dados Biográficos
Tomaz Hipólito (Lisboa, 1968). Vive e trabalha em Lisboa e Nova Iorque. Estudou arquitectura. Dos seus vários projectos destacam-se:
2014 level_03 Performance, Appleton Square, Lisboa; 2014 level_02 Performance, Carpe Diem Arte & Pesquisa, Lisboa; 2014 level_01 Performance, Sala do Veado, Lisboa; 2013 draw_05 Instalação, Projecto REDE, Trienal de Arquitectura de Lisboa; 2013 merge_06 Video, Fotografia, Desenho e Performance, Rooster Gallery NY; 2013 object_09 Fotografia e Instalação, 102-100 Galeria Castelo Branco; 2013 rebuild_01 Video, Fotografia, Desenho e Performance, Baginski Galeria, Lisboa; 2013 reset_00 Video, Fotografia e Performance, Cristina Guerra Arte Contemporânea, Lisboa; 2012 chroma_06 Performance, Death Valley Desert California; 2012 nature_01 “Moss Me” Walking on NY, Elastic City NY; 2012 chroma_05 Performance, Central Park NY; 2012 home_02 Performance e Fotografia, Art Institute NY; 2012 chroma_04 Performance, ARCO-2012 Madrid; 2011 draw_03 Video, Desenho e Fotografia, Appleton Square Lisboa; 2011 draw_02 Video, Som e Performance, Residency Unlimited NY; 2011 reflex_01 Site-Specific Instalação, Fotografia e Video, Abrons Arts Center NY; 2011 rebuild_00 Video, Fotografia, Desenho e Performance, Emily Harvey Foundation NY; 2011 layer_02 Video, Performance e Conversa, Arte Institute at Union Square Park NY; 2011 censura_01 Video, Performance e Livro, Hunter College NY; 2011 chroma_01_02 Video, Lumen Festival 2011 Staten Island NY; 2011 layer_01 Performance, Lumen Festival 2011 Staten Island NY; 2010 poem_01 Video Project, Emily Harvey Foundation NY.
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(C) Texto: cortesia Luísa Especial. Imagens: cortesia do artista.
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* Catherine de Zegher, “A century under the sign of line, Drawing and its extension (1910-2010)”, On line, Drawing through the twentieth century,Museum of Modern Art, Nova Iorque, 2010, p. 23