Sophie Whettnall: Shadow piece
> 27 junho, 2014
Vera Cortês Art Agency (Lisboa)
Vera Cortês Art Agency apresenta Shadow piece, a terceira exposição individual da artista Sophie Whettnall (Bruxelas, 1973) em Lisboa. O trabalho de Sophie Whettnall tem vindo consistentemente, desde o final dos anos noventa, tanto a refletir sobre, como a materializar e registar as forças que definem a nossa relação com o mundo que nos rodeia.
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Texto | Luís Silva
Falar do trabalho de Sophie Whettnall, e desta exposição em concreto, implica falar da sua já longa relação com a luz. Em Recording the Light (2001), por exemplo, peça realizada durante uma residência em Barcelona, a artista marcou no espaço do seu ateliê, e recorrendo a um material tão simples como fita autocolante, o local onde a luz que entrava pelas janelas encontrava o pavimento e as paredes do seu espaço de trabalho. Com o passar do dia, a luz deslocava-se e esse movimento era continuamente registado até à obtenção de uma instalação-desenho que pretendia de forma muito direta refletir sobre a natureza da luz, capturando-a, delimitando-a ou simplesmente quantificando-a.
Ao reflectir sobre a luz, documentando-a, Sophie Whettnall interessa-se simultaneamente pela sua ausência, ou seja, por aquela zona em que os objetos bloqueiam a sua passagem, criando uma área de penumbra a que chamamos, simplesmente, sombra. Uma versão mais ambiciosa de Recording the Light, apresentada também em Barcelona no ano seguinte, mas assumindo a forma de intervenção no espaço público, partia do mesmo pressuposto formal, o registo temporal do movimento da luz, registando sombras causadas por uma estrutura metálica existente numa praça da cidade. O desenho resultante desta intervenção monumental constituía-se como um mapeamento de algo impercetível e imaterial, o movimento das sombras ao longo do dia.
O vídeo Shadow Boxing (2004) documenta a artista imóvel, em pé, frente a um pugilista que a ataca freneticamente sem nunca a atingir. A proximidade dos golpes é assustadora e é recebida com uma aparente serenidade performativa por Whettnall. Um olhar mais atento revela no entanto que a sombra do lutador, devido à sua proximidade, toca efetivamente o corpo da artista, que não se consegue defender desta investida imaterial. O resultado é um ataque físico de uma sombra a um corpo tangível, humano, feminino, que apesar da violência exercida se mantém incólume.
Assim, podemos afirmar que a relação que Whettnall estabelece com a luz, ou com a sua ausência, tem sido uma tentativa recorrente de possuir materialmente algo que não é passível de ser categorizado como um objeto (dualidade onda-partícula à parte), e consequentemente impossível de possuir. Esta impossibilidade tende a ser resolvida pela artista através da prática do registo: ainda que não consiga possuir efetivamente a luz, consegue, no entanto,obter uma prova bastante tangível dos seus efeitos. Tal registo pode ser mediado tecnologicamente, como em Bling Bling II, um vídeo de 2014 onde, devido a um problema tecnológico (um instrumento de qualidade inadequada à tarefa proposta), a artista torna visíveis, e tangíveis, numa típica paisagem solar, os efeitos da luz, mas pode também recorrer a dispositivos escultóricos ou arquitetónicos, que permitem, não capturar a luz, mas guiá-la e moldá-la de forma a produzir um determinado efeito.
No seguimento da sua reflexão sobre as sombras, que encontramos na série Femme sans Ombre (2013) o trabalho que agora apresenta na Vera Cortês Art Agency pode ser entendido como uma homenagem à luz. Assim, um conjunto de quatro peças escultóricas bloqueia a entrada principal de luz natural do espaço expositivo, as grandes janelas viradas para o rio, e força a luz a comportar-se de maneira específica. Através de um processo de trabalho vincadamente físico, em que depois de pintar a madeira, Whettnall cria, num gesto violento que podíamos já encontrar em Shadow Boxing, os inúmeros orifícios que permitem a passagem da luz. Apesar da destruição exercida sobre a madeira, o resultado obtido é sereno e imaterial, criando um jogo de luz e sombra, de presença e ausência, que se transfigura ao longo do dia e durante a duração da exposição. Whettnall parece assim ter operado uma alteração nesta sua relação de longa data com a luz, já não tão centrada em ideias de posse e registo, mas mais vinculada a uma dimensão de compreensão e utilização, como se em vez de guardá-la, fizesse agora mais sentido moldar, domesticar talvez, a luz no seu trabalho.
Sophie Whettnall nasceu em 1973, em Bruxelas, cidade onde vive e trabalha. Whettnall expõe regularmente o seu trabalho desde o final da década de noventa destacando-se a sua participação na 52ª edição da Bienal de Veneza. Uma seleção das suas exposições individuais inclui, para além da exposição que agora apresenta em Lisboa, Moving Mountains, Moriarty, Madrid, Espanha, 2007 / In two minds, Vera Cortês Art Agency, Lisboa, Portugal, 2007 / Red Snow, Casa Velasquez, Madrid, Espanha, 2006 / Shadow boxing, conversation piece, La Chocolataria, Santiago de Compostela, Espanha, 2006 / Üppland, Le Blac, Bruxelas, Bélgica, 2004. O seu trabalho foi mostrado em inúmeras exposições coletivas, destacando-se Shadow Boxing, 52ª Bienal de Veneza, Itália, 2007 / A viaxe. Novas peregrinacións, CGAC e Museo das Peregrinacións, Santiago de Compostela, Espanha, 2007 / Tancat pres obres, COAC, Barcelona, Espanha, 2002 / Air liquide, Eau Gazeuse, Centre d’ Art Contemporain Cimaise et Portique, Albi, França, 2001 / Prix de la Jeune Peinture Belge, Palais des Beaux-Arts de Bruxelles, Bélgica / 18th World Wild Video Festival, Montevideo, Amsterdão, 2000 / Entre deux, Museum voor Fotografie, Antuérpia, Bélgica / Moving images, Tank.tv, ICA digital studio, Londres, Inglaterra, 2004.
Luís Silva
Maio 2014
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(C) Texto e imagens: Cortesia de Vera Cortês Art Agency, 2014. Fotografias da exposição: Bruno Lopes.