Jorge Molder | A Escala de Mohs
> 23 Março, 2014
Museu da Electricidade (Lisboa)
Comissário: João Pinharanda
“A Escala de Mohs” reúne os trabalhos mais recentes do artista, a maioria nunca expostos em Portugal.
O sorriso aos pés da escada (João Pinharanda)
Nesta série Jorge Molder refere, em título, A escala de Mohs, estabelecida pelo minerologista alemão Frederic Mohs, em 1812, para quantificar a dureza dos minerais. Claro que a citação erudita nos situa fora do espaço científico mas dentro de um espaço metafórico: entre a fragilidade do talco e a dureza do diamante (o menos duro e o mais duro dos minerais), Molder está a falar-nos de escalas humanas e conduz-nos à presentificação de um palhaço. A verosimilhança do título vem da encenação do palhaço frente ao espelho, cobrindo a cara de branco com pó-de-arroz (cuja base é, precisamente, o talco), e prolonga-se na verosimilhança que podemos estabelecer com a fragilidade que atinge a realidade da sua vida e das suas emoções, alargando-as ao conjunto dos seres individuais (ou da Humanidade) em crise face às imagens de dureza, nobreza, pureza e inacessibilidade que associamos ao diamante.
Neste caso, como em muitos outros, em que objetos e elementos cenográficos são manipulados, interagem ou com o personagem ou se interpõem na sequência de montagem da exposição e/ou paginação do catálogo, um pequeno palhaço art déco, fotografado de múltiplos ângulos e em múltiplas fragmentações, mima as poses humanas de um palhaço, do mesmo modo que o palhaço humano mima e exacerba as poses dos outros humanos. A simples presença desta frágil criatura basta para estabelecer uma tensão suplementar fazendo a série balançar entre duas realidades distintas: animada e não animada, humana e não-humana. Os “diálogos” e “dípticos” virtuais compostos pelo par palhaço (o humano que faz de boneco) / boneco (que faz de humano) parecem acentuar a incomodidade existente na interrogação do destino a que A escala de Mohs nos obriga, parecem desencorajar-nos a encontrar uma resposta para essa interrogação. Essa resposta é a do desamparo total do homem perante si e perante o mundo.
Hoje em dia o palhaço, o palhaço histórico oitocentista e novecentista que nos tem servido de referência que tinha um palco, um tempo de entrada em cena, um jogo de luzes que lhe definia os movimentos e sublinhava as atitudes, o palhaço que personificou uma utopia social criando um poderoso imaginário popular e erudito, infantil e adulto, está em vias de desaparecimento. Foi ultrapassado pelo show permanente da sociedade do espectáculo que conduziu à morte do circo tradicional, que levou à estetização exarcebada do chamado “novo circo”, que substitui a utopia da liberdade anti-burguesa pela acomodação consumista. Ao fixar as imagens deste palhaço em perda, Molder como que inventa as imagens de “um último palhaço”. – João Pinharanda
+ info:
Exposição ‘Rei Capitão Soldado Ladrão’ (MNAC-Museu Chiado)
(C) imagens da exposição “A escala de Mohs” de Jorge Molder no Museu da Electricidade, Fundação EDP, 2013-2014. Fotografias da exposição José Soveral – Making Art Happen, 2014.