State of Mind (livro + exposição)

‘State of Mind’ de Nuno Moreira é uma série construída ao longo de vários anos, durante os quais o autor viajou por diversos países (Japão, Portugal, Hungria, Malásia, Coreia do Sul, Ucrânia, Roménia, Rússia, México, entre outros). Nesses locais, foi captando diferentes estados de alma e de vida. É um livro sobre pessoas. Encerra uma mensagem humanista sobre a dimensão poética e onírica do quotidiano. Retrata momentos únicos, de anonimato, que envolvem vivências emocionais particulares. São encontros fortuitos com a essência humana.

Esta série – na realidade será mais correcto afirmar que se trata de um arquivo – é o resultado de vários anos de trabalho. Quer falar-nos um pouco sobre como surgiu o projecto, quais os objectivos iniciais e o resultado final?

A série “State of Mind” foi construída de forma muito orgânica, ao longo do tempo. Quando vim viver para Tóquio, em 2012, trouxe comigo todos os negativos e um arquivo gigante de fotografias que tinha armazenado, no decorrer de vários anos, de viagens por diversos países. No processo de organização, dessas fotos, apercebi-me que tinha um tema forte e que era constante em todas as viagens e trabalhos. O tema era o universo emocional interior de pessoas com as quais me cruzava no meu dia-a-dia. Entendi que tinha esta peculiaridade: sentir-me atraído para fotografar pessoas que estão isoladas nos seus pensamentos. É curioso observar as pessoas, em momentos de transição, e tentar formular o que se passa naquelas cabeças. Esse mistério estimula a minha imaginação para fotografar.

Demorei, literalmente, um ano a produzir a selecção final que compõe o livro que acabo de editar. Partilhei as imagens com muitas pessoas, ouvi opiniões de vários editores e fotógrafos e, dos vários trabalhos de fotografia e instalação ao longo dos anos que realizei, esta série é, sem dúvida, o projeto com o qual me sinto mais realizado até ao momento.

Quantos anos demorou e quantos países envolveu?

Das fotografias que foram seleccionadas para o livro (e para a exposição), estão incluídos cerca de 10 países, pelos quais passei e demorei um total de 5 anos a reunir todo o material para editar o livro. Estou, sinceramente, feliz que este processo tenha culminado na edição do livro pois passei muito tempo com estas imagens.

Há uma característica comum entre as pessoas retratadas. Uma proximidade que as define, embora sejam de países e culturas tão diferentes. O quê, na sua perspectiva? 

Calculo que o que une estas imagens é a sensação que todos nós, em certos momentos, temos de tomar decisões e para isso precisarmos de silêncio e de estar sozinhos. O fio condutor deste livro é a compreensão de que as emoções não podem ser categorizadas por fronteiras (soa um bocado cliché, eu sei) e que, embora as pessoas habitem em países diferentes, falem línguas diferentes e tenham vidas distintas, os problemas, dúvidas ou sonhos são iguais em qualquer parte do mundo. No fim de contas, somos todos seres humanos pensantes a passar pelas mesmas fases, em períodos diferentes das nossas vidas. Se o leitor, desta entrevista, ao olhar para algumas das fotografias, se revir nessas situações ou ambientes, entende o que estou a falar.

São momento únicos, instantes que pertencem a uma esfera íntima, difíceis de obter. Captados por um olhar atento. O que motivou esse olhar?

Esta é uma das perguntas que mais fiz, a mim próprio no último ano, no sentido de tentar entender o meu trabalho.

Penso que é algo muito projectivo, de mim no outro.

Quando viajo tenho sempre um caderno para apontar ideias e pensamentos e, nos diversos trajectos, acabo por fotografar e encontrar pessoas e situações muito singulares. Essas pessoas são meros encontros desconexos. Eu tropeço nelas (e elas em mim) sem qualquer previsão e essa sensação de liberdade e anonimato entre desconhecidos é muito libertadora. Por algum motivo, sinto um grande interesse em conversar com estranhos e querer ouvi-los. Talvez seja porque, por breves instantes, ambos sabemos que tudo pode acontecer, tudo pode ser dito. Não existe julgamento de opiniões. Ou, talvez, por eu, também, aproveitar para pensar e tomar decisões quando estou sozinho a viajar e isso me faça sentir mais próximo desses desconhecidos.

Calculo que grande parte dos projectos artísticos surjam mais de um ímpeto pessoal, fruto do momento, do que propriamente de um conjunto de razões lógicas. A viagem para um local novo traz sempre a emoção do desconhecido e da imprevisibilidade, se soubermos aproveitar esse leque de novas experiências é algo que enriquece muito para além do simples olhar. O facto de ser impossível prever o que irá desenrolar-se à minha frente, enquanto caminho por uma cidade, provoca profundamente o meu sentido de imaginação. O que não está visível é, na minha perspectiva, mais sedutor.

As situações retratadas possuem uma dimensão muito humana e surgem envoltas numa aura de mistério, de film noir, em alguns casos. O preto e branco e os jogos de luz são factores chave que lhe conferem essa magia. Quer falar-nos destas opções técnicas que diferenciam e remetem para uma esfera artística?

Agradeço os comentários e concordo que as imagens têm uma certa ambiência cinematográfica. Acho que isso se deve, simplesmente, ao meu gosto por cinema e pintura, áreas que sempre me acompanharam ao longo da vida. Para além disso, é pouco interessante ver retratos de pessoas das quais não conhecemos a história, por isso tento fotografá-las sobre outro prisma, por vezes de forma muito próxima, o que enaltece as suas características naturais. Mais do que apenas captar pessoas, interessa-me registar, também, o ambiente e as sensações. É uma constante, no meu trabalho, a procura de imagens enigmáticas que levantem mais questões do que respostas.

O que, também, poderá contribuir para esta estética cinematográfica é o facto de fotografar em película e, exclusivamente, a preto e branco, usando máquinas muito diferentes umas das outras, o que me obriga a estar muito presente no momento do disparo. A parte técnica é algo que admito ter atenção mas que, sinceramente, interessa-me muito pouco discutir.

Reconheço em ‘State of Mind‘ uma estética ligada à fotografia japonesa do pós-guerra (menos crua). Em particular, na forma de representação da vida urbana. Quer comentar?

O período do final dos anos 60, no Japão, foi muito rico visualmente. Após o ataque dos Estados Unidos, em 1945, e a calamidade, trazida pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki, o país teve de ser totalmente reedificado. A única coisa positiva, em momentos de guerra ou crise, é a enorme liberdade criativa que advém desses períodos, e o Japão não foi excepção. Um colectivo de fotógrafos juntou-se e começou a editar uma revista de fotografia underground intitulada ‘Provoke’. Este movimento de artistas tentava encontrar um espaço de fuga às artes ditas “tradicionais” e à forma rotineira de trabalho. Os fotógrafos da Provoke decidiram abolir todas as regras convencionais adoptando um estilo bruto, desfocado, in-your-face e sem quaisquer compromissos com o establishment, o que foi uma autêntica lufada de ar fresco. Pode parecer incrível mas é possível encontrar beleza e interesse na vulgaridade, na monotonia do quotidiano e no desprezível. Desse movimento fizeram parte fotógrafos exemplares como: Daido Moriyama, Masahiso Fukase, Eikoh Hosoe ou Nobuyoshi Araki. Todos têm estilos diferentes e o que fizeram, ao longo de cerca de três anos na revista Provoke, foi inédito no mundo da fotografia e alterou por completo a forma de pegar numa câmara.

Calculo que o interesse e a aproximação que tenho tido a esta linhagem estética seja evidente em algumas fotos da série “State of Mind”, principalmente quando me encontro a fotografar em zonas de maior densidade urbana.

O Nuno, actualmente, vive no Japão, o que o levou até lá?

O meu interesse pelo Japão foi sempre o de tentar compreender como um povo, extremamente moderno, continua a saber respeitar e preservar tradições seculares e que se encontram embutidas, de forma tão profunda, no comportamento das massas.

As artes performativas, como o Teatro Noh e Kabuki, os espectáculos de fantoches Banraku, a dança Butoh (também fruto do pós-guerra), as cerimónias de chá e os arranjos florais, o cinema, a fotografia e a literatura foram, também, interesses que me levaram a visitar o Japão, pela primeira vez em 2011. Desde então, regressei várias vezes para conhecer outras cidades e entendi que poderia ser um bom local para ficar uns tempos e desenvolver trabalho comercial e pessoal.

Gosto da perseverança do povo japonês, em geral, e da admiração que têm por coisas aparentemente simples, como a arquitectura, mas que, do ponto de vista teórico e de planeamento, têm uma razão de ser mais profunda. Esse interesse, pelo espaço vazio e do nada conseguirem fazer muito, demonstra uma sensibilidade muito particular dos Japoneses. A capacidade de, por exemplo, cozinharem com pouco ou atribuir significados válidos em face de adversidades é admirável.

Está a desenvolver um novo projecto?

Sim, estou trabalhar em novas fotografias e numa série ainda sem título.
Tenho muitas fotos que ficaram pendentes para publicação e que, juntamente com um novo trabalho, poderão formar – dentro de um ano ou dois – uma nova publicação. Entretanto, poderão acompanhar o desenvolvimento de novos trabalhos em: Nuno Moreira

A saber:

– No próximo dia 20 (Sexta) haverá uma sessão de apresentação do livro na livraria Livraria Ler Devagar na Lx Factory (Lisboa), pelas 18h 30m.

–  Dia 23 (2ª feira) inaugura a exposição na Studioteambox na Lx Factory, em Lisboa.

O livro pode ser adquirido nos seguintes locais:

Diretamente através do site do artista: Nuno Moreira, ou, em Lisboa, na Livraria Ler Devagar.

Nuno Moreira (Lisboa, 1982). Vive e trabalha na cidade de Tóquio (Japão). Estudou audiovisual e multimedia, tendo trabalhado como designer e fotógrafo. Em 2007, cria o atelier NM DESIGN, especializado em Direcção de Arte e Fotografia. Dedica-se, também, ao ensino de cinema, fotografia e design gráfico. Expõe individualmente, desde 2006, em Portugal e a nível internacional. As suas áreas de interesse pessoal e referências visuais são várias, sendo de destacar disciplinas como o cinema, a música, a pintura e arquitectura. O seu trabalho dá maior relevo ao detalhe e à textura, criando, em cada projecto, uma atmosfera muito particular.

+ info:

Nuno Moreira

Livraria Ler Devagar

Studioteambox

1º artigo da Making Art Happen sobre ‘State of Mind’

(C) imagens © Nuno Moreira. Cortesia do artista.

Entrevista por Celina Brás