Cristina Lamas: PMP

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@ Galeria 111 (Lisboa)

> 31.07.2013

PMP

I.
Em Abril fui a Paris. Como a estadia se prolongou fiz as contas aos dias e enviei um postal a C.L.
Ao regressar a Lisboa perguntei-lhe se o tinha recebido. A questão é redundante pensei, mas para meu espanto:
C.L – Não, mas se enviaste deve estar lá em baixo na caixa do correio.
S.L – Enviei faz uma semana, não vais ao correio?
C.L – Para quê? Sempre que o abro só encontro contas (para pagar), vou sempre no final do mês.
S.L – Posso ir buscá-lo, posso entregar-to P.M.P.
Nos dias seguintes reparei que o postal ainda estava na caixa do correio, pensei em retirá-lo de lá. Enquanto vivi naquela casa nunca precisei de chave, com mãos tão pequenas facilmente retirava lá de dentro a correspondência que me era endereçada. Uma semana mais tarde reparei com agrado que o postal estava em exibição na parede da sala.

II.
CL – Se eu fosse boa com as palavras não desenhava tanto.
SL – E achas que não és boa com as palavras?

CL – Não.

SL – Era o teu trabalho e eu respeitava, mas acho que não percebia muito bem.
CL – Se calhar ainda hoje não percebes.

III.
O acto de desenhar surge da dialéctica entre a extrema imersão e a previdência. Ao tratarse de um processo performativo liminar, movendo-se entre decisões conscientes e a compulsão inconsciente, incorpora simultaneamente a síntese da adição e da subtracção. É notável o facto de que C.L ocupa tanto do seu tempo a acrescentar linhas e manchas como a removê-las. O processo de adição e subtracção no acto físico de desenhar aproxima-se da noção do que é visto e do que é concebido, e mais uma vez daquilo que é concebido e daquilo que surge no papel. À medida que desenha C.L reconhece aquilo que quer, e aquilo que não quer. As suas ideias são movimentos de qualidades temporárias até à hora natal em que assiste à cristalização da imagem sobre o enquadramento em branco. É evidente que C.L. é conduzida pelo que acontece no papel e que numa última instância o acontecimento não está sobre o seu controlo. Expressa surpresa diversas vezes pelo que acontece à sua frente. Diz “ver padrões em todo o lado, a toda a hora” que motivam o início de um novo desenho. O carácter gráfico dos seus desenhos procura seduzir o espectador para o engano, onde o geométrico vela o trabalho manual P.M.P. Onde o hipnótico acto do olhar exterior intercepta o desgaste físico da mão que constrói. O desejo implícito nos desenhos de C.L aposta na demonstração de conceitos que não podem ser aprovados nem desaprovados, e que tão pouco se prendem com categorias de falso ou verdadeiro. São exercícios obsessivos e hipotéticos de “vamos supor que: ” ou “e se?”. Contudo esta aparente cegueira não está desvinculada das mecânicas do pensamento. É evidente que o acto de desenhar uma linha ilustra o ponto no qual o ontológico encontra o conceptual. O desenho torna-se então numa operação conceptual que hipoteticamente incorpora a urgência física da linha, no momento em que a apetência visual desaparece e a concepção emerge.

IV. 
Em retrospectiva, esta é talvez a primeira vez de que me recordo, em que não estarei presente na inauguração de uma exposição de C.L. fica aqui a minha contribuição postal.

 – Lisboa, 22 de Junho 2013 (Salomé Lamas)

Cristina Lamas, Sem Título, 2013, guache sobre papel, 142 x 101 cm. Cortesia da galeria 111, Lisboa.

Cristina Lamas, Sem Título, 2013, guache sobre papel, 142 x 101 cm. Cortesia da galeria 111, Lisboa.

Cristina Lamas (1968) vive e trabalha em Lisboa. Formou-se em artes plásticas no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, Lisboa, onde completou o plano de estudos completo em desenho e o curso avançado (1998 1999). Desde 1999 que expõe regularmente. Das exposições individuais destacam-se: Galeria Lisboa 20, na Livraria Assírio e Alvim, na Ratton, na Marília Razuk (Brasil), na Giefarte, na Galeria111. Participou também de exposições colectivas: na Mitra, na Sala do Veado, na Marília Razuk (Brasil), na Fundação Vieira da Silva, no Museu da Cidade/Pav. Preto, Centro Cultural de Belém, Galeria da Aliança Francesa (Brasil), João Esteves de Oliveira, Centro de Arte Manuel de Brito, etc. Está representada em algumas colecções públicas e privadas como: a Caixa Geral de Depósitos, a Fundação PT, a Fundação PLMJ, a Banco Espírito Santo, a Colecção Manuel de Brito.Foi bolseira da Fundação Oriente, em 2000 e 2003, e da Fundação Luso Americana em 2001.

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Cristina Lamas integra, igualmente, o ciclo de exposições no Carpe Diem Arte e Pesquisa, em Lisboa, patente até ao próximo dia 17 de Agosto. Trata-se de um projecto composto por uma série de seis desenhos com dimensões variadas, inspirados nos elementos decorativos e visualmente riquíssimos do antigo Palácio Pombal. O palácio encontra-se repleto de frescos, baixos relevos, mosaicos e azulejos. A artista apropria-se destes elementos visuais, traduzindo-os livremente em desenhos e conferindo-lhes uma aparência diferente. A intenção é que sejam expostos em lugares distintos àqueles que os originaram. Jogando com a memória do espectador, gerando exercícios rítmicos, espelhos e conduzindo à constante interpretação espaço/obra ao longo do percurso (Cristina Lamas). A seguir imagens da exposição:

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