Pedro Valdez Cardoso: outra coisa

Pedro Valdez Cardoso,  Portrait of a mask, 2014. Madeira, cartão, metal, borracha e silicone líquida, 112 x 62 x 12 cm. Cortesia do artista e Galeria Caroline Pagès, Lisboa.

> 7 de Fevereiro, 2015

Galeria Caroline Pagès (Lisboa)

outra coisa apresenta um núcleo de 12 novas peças que aparentemente partem de um desígnio genérico relativo à pintura. Contudo, tal referência surge naquilo que habitualmente se define por uma concepção expandida do suporte. Embora não tenha existido uma intenção de desconstrução efectiva que tenha precedido a realização das peças apresentadas, a pintura apresenta-se como um referente incontornávelpara uma possível leitura das mesmas, em grande parte pelo fantasma do género natureza-morta que habita a grande maioria das peças.

O rectângulo, horizontal ou vertical, que será dizer a tela, e que é o suporte base de cada uma das peças, é efectivamente o lugar da pintura na sua concepção formal tradicional. Do mesmo modo, a assemblage presente nos objectos adicionados, a importância da composição, e do jogo entre espaço preenchido e espaço vazio, o diálogo entre os diferentes objectos e até por vezes a sua natureza simbólica e histórica, bem como a insinuação narrativa dos títulos e o monocromatismo dominante, remetem sem dúvida para o campo e para a história da pintura. Porém o que está implícito na base destes trabalhos é o próprio conceito, ou melhor dizendo conceitos, de representação.

Em cada um dos ecrãs, chamemos assim cada um dos quadros, sob a superfície cinzenta e homogénea que os reveste existe um ponto de fuga, um objecto que permanece sem intervenção, e que à partida suporíamos ser do campo do real. Uma mera apropriação não mediada para além do ato artístico da sua colocação na obra. Numa observação mais atenta, percebemos que todos estes pedaços do “real” são da ordem do natural, ou seja, pertencem aos objectos que à partida não são originados pela mão do homem, as denominadas coisas na acepção de Focillon, tais como frutos e vegetais. Porém, nenhum destes objectos é “verdadeiro”, no sentido em que trata-se de cópias industriais que simulam as formas existentes no mundo natural. Em contraste todos os objectos que pontuam os diversos quadros e que se encontram uniformizados pela camada de borracha liquida, o que lhes confere um estatuto cognitivo imediato de representação, são objectos que não simulam formas existentes (com excepção dos ossos), mas sim objectos reais de uso quotidiano, objectos utilitários e com uma funcionalidade. Aquilo que supostamente seria do campo do mundo exterior, citando a concepção de objecto na visão de Abraham Moles, é na verdade o que se encontra em plano interior nas peças, e o inverso com os elementos à partida não fabricados. E é neste perpétuo jogo entre representação e real, natural e artificial que estas “pinturas” se colocam.

Existe ainda um assumido apagar cronológico e simbólico inerente à origem e temporalidade dos diversos objectos usados em segundo plano, assumindo este segundo plano como o que se circunscreve ao plano pintado, deixando estes de ter a capacidade de mudar e criar diferentes geografias em diferentes épocas como assinalava Kant, e de se assumirem como signos. E aqui o ato de pintar, na sua universalidade ontológica, inscreve-se numa leitura de dualidade entre a acção geradora de formas e imagens, e a acção de apagar, entre o tornar visível e o originar cegueira.

Esta é na verdade uma exposição de e sobre objectos, e sobre os “modos de ver”, de pintura tem quase nada ou talvez tudo, depende de como se vê. É outra coisa.

Pedro Valdez Cardoso, Novembro de 2014

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Legenda da 1ª imagem: Pedro Valdez Cardoso, Portrait of a mask, 2014. Madeira, cartão, metal, borracha e silicone líquida, 112 x 62 x 12 cm. Cortesia do artista e Galeria Caroline Pagès, Lisboa.

(C) imagens e texto: cortesia do artista e Galeria Caroline Pagés.