Nuno Sousa Vieira | Opaco
Local: Escritório
Apresentação ao público:
Sexta – 31.10.2014 (22 h) e Sábado: 01.11.2014 (das 15h às 19 horas)
A vida de um escritório que repousa num maple utópico
Diversas circunstâncias temporais, conceptuais e económicas religam esta obra, que Nuno Sousa Vieira expõe no projecto Escritório, com programação de António Bolota (também este, artista), a um outro projecto, que ali teve o seu início precisamente com um projecto de Nuno Sousa Vieira. À época, o artista transformou uma estrutura pré-existente no local onde a Kunsthalle Lissabon iniciou a sua actividade, projecto que teve a sua continuidade noutro espaço, emprestado, do mesmo edifício, que vai deixar de acolher os diversos projectos artísticos e ateliers que ali desenvolvem a sua actividade.
Esse obra, de 2009, intitulava-se “X-Office for a Sculpture” e foi, nas palavras dos seus curadores, Luís Silva e João Mourão: “a primeira proposta da Kunsthalle Lissabon […] é o resultado directo de um convite dirigido a Nuno Sousa Vieira para desenvolver um projecto context-responsive. Trabalhando a partir do espaço que a Kunsthalle Lissabon ocupa e recorrendo a uma estrutura arquitectónica aí existente, e reminiscente da utilização anterior do espaço, Sousa Vieira apresenta um projecto que, como é habitual na sua prática, recontextualiza os atributos ou propriedades de uma estrutura pré-existente, operando o que se pode chamar um desvio arquitectónico, procedendo, nesse exercício, à transformação do estatuto do espaço que a continha.” [1]
Neste contexto, o artista apresenta a exposição “Opaco”, trabalhando uma réplica de um modelo, apresentado e descrito num livro [2] enquanto projecto, de um sofá destinado ao descanso e cuja designação é precisamente “Um Maple Repousante” [3], e uma fotografia do antigo escritório onde se instalou a Kunsthalle Lissabon antes da intervenção do artista ter transformado a divisória interior, conforme descrição dos curadores acima citada. Todo este projecto de Nuno Sousa Vieira se desenvolve em torno da memória do lugar e de uma aproximação à utopia moderna em que o design se confirmava como possibilidade de transformação das sociedades através dos objectos estreitamente ligados aos costumes, ao lado rotineiro e vernáculo da vida humana.
Sousa Vieira desmonta e recontextualiza, não apenas os objectos e os espaços, mas também a nossa noção de tempo enquanto documento e narrativa histórica, na passagem e transformação de um espaço para outro, cujo nome é usado como metáfora e como recorrência à memória do lugar e da sua função numa determinada época. Acresce a tudo isto o facto de o “Maple Repousante” que o livro descreve, ser materializado pelo artista na obra intitulada “Opaco”, de 2014, construída com materiais provenientes da obra “X-Office for a Sculpture”, realizada em 2009.
A construção do protótipo do maple é uma escultura ainda em bruto, mas que se constitui como objecto final, abstractizante no sentido em que a forma é reconhecível mas as características de um maple repousante são apenas uma representação geométrica, anotada e cotada de forma a responder ao modelo enunciado no livro que o descreve, deixando visíveis as marcas do trabalho e as anotações que permitem verificar o rigor.
Refiro aqui, e cito, uma passagem de uma carta de Carlo Scarpa a Constantino Corsini e Giorgio Wiskerman, de Outubro de 1961, na qual estas preocupações estão presentes enquanto questionamento, e simultaneamente como prospectiva e utopia, por vezes opaca e velada, mas visível enquanto obra e processo.
“Se, como habitualmente, se tratar de mecanismos tipicamente utilitários, os numerosos objectos a projectar são, na maior parte dos casos, revestimentos – chamar-lhes-ia baús; a autenticidade encontra-se no seu interior e representa o que, acima de tudo, nos deveria interessar. Se, pelo contrário, se tratar de instrumentos, estes adquirem por vezes, e com o tempo, essa autenticidade, assumindo como que uma certa vida através da utilização, o que lhes confere sempre uma certa nobreza. Apenas com o tempo atingem o seu apogeu, alcançando o verdadeiro design e, posteriormente, indo para além do mesmo. Os outros objectos, que servem para mobilar casas e muitas construções modernas, elementos essenciais à vida actual, são na realidade os mais difíceis, exactamente porque ligados à forma, à forma imaginária que, infelizmente, nos surge com frequência desfasada da realidade.
Mas porque não tentar? Tenhamos confiança nas nossas mãos.”[4]
João Silvério | Outubro 2014
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Escritório
Rua Rosa Araújo, 7, Lisboa