Rui Sanches: Nada é Imutável
> 31 de Janeiro, 2015
Fundação Leal Rios (Lisboa)
Perante o conjunto de obras de Rui Sanches presente na coleção da Fundação Leal Rios e tendo em conta a exposição que esta instituição agora dedica ao artista, convém assinalar a já larga trajetória — cerca de trinta anos de trabalho — do escultor acima mencionado que, iniciando-se no campo da pintura, acabou por dedicar-se ao trabalho tridimensional. Uma transição que lhe foi imposta pela investigação que então desenvolvia nas duas dimensões do quadro. De uma pintura abstrata e espacial passou à construção de obras tridimensionais — recorrendo sobretudo a madeira — em propostas onde plasmava um diálogo estreito entre estruturas geométricas regulares, de filiação construtivista e cubista, instaladas no espaço real e criando vínculos de carácter dinâmico que incluíam também a ideia do aleatório e do contingente. Se a sua fonte inicial de inspiração foram os modelos pictóricos de tendência clássica e barroca, é preciso dizer que Rui Sanches nunca esteve interessado em cultivar metalinguagens diretas com ênfase narrativo, mas sim em desenvolver um trabalho predominantemente abstrato e mudo de histórias, um trabalho que põe o foco numa nova sintaxe dos elementos estruturais, deixando de lado o plano convencional do significado. Fazia-o — e continua ainda a fazê-lo — valendo-se da multiplicidade e do fragmento para apontar na direção da unidade como hipótese. Um conceito aberto, que inclui a possibilidade de mutações, onde o geométrico se descobre irmanado com o orgânico, como se pode apreciar nesta exposição.
Na sua maioria, as obras que aqui podemos contemplar pertencem à segunda fase do artista, quando o seu trabalho em madeira se inclina fundamentalmente para o contraplacado ou multilaminado de madeira, num lento processo de execução baseado no recorte de cada prancha, na criação de formas geométricas por adição vertical, por sobreposição de elementos semelhantes ou dissemelhantes. A forma humana fragmentada — seja um corpo sem extremidades ou uma cabeça prototípica e anónima — é também objeto da investigação do artista, que os utiliza para sublinhar a possibilidade de relações simbólicas e temporais que têm lugar tanto na mente como no espaço habitado. O desenho sobre papel, uma prática também cultivada por Rui Sanches, origina por vezes o aparecimento de uma escultura, embora isto nem sempre ocorra assim. Por vezes o desenho vem na sequência da escultura, ou manifesta-se independente do trabalho tridimensional. Ambas as vias são complementares, e o desenho, na imediatez da sua execução transporta consigo uma ênfase espacio-temporal que inclui os conceitos de evolução e de dissolução, pondo em questão a persistência das formas e a nossa capacidade de as abarcar percetualmente de forma definitiva. Nietzsche (em O livro do filósofo) já dizia o seguinte: “Não há forma na natureza, porque não há nem interior nem exterior. Toda arte nasce no espelho do olho.”
Aurora García
Rui Sanches (Lisboa, 1954). Estudou no Ar.Co – Centro de Arte e Comunicação Visual, Lisboa, no Goldsmiths’ College, Londres (BA 1980) e na Yale University, New Haven (MFA 1982). Em 1984 expôs pela primeira vez individualmente o seu trabalho na Galeria de Arte Moderna da SNBA e na Galeria Diferença, em Lisboa. Desde então realizou mais de quarenta exposições individuais entre as quais se destacam a exposição retrospetiva no CAM da F. C. Gulbenkian (2001), “MUSEUM” no Museu Nacional de Arte Antiga (2008) e “Dentro do desenho”, na Fundação Carmona e Costa (2014) e participou em dezenas de exposições coletivas, em Portugal e no estrangeiro. O seu trabalho está representado nas principais coleções públicas portuguesas e várias coleções internacionais. Tem diversas obras em espaços públicos, nomeadamente na estação de metro Olaias, Lisboa, em Alcobendas, Espanha, a escultura “Colunata” na Assembleia da República e o monumento a Maria José Nogueira Pinto na Ribeira das Naus, Lisboa. Foi professor de escultura, desenho e história da arte no Ar.Co e conferencista e artista convidado em diversas instituições universitárias e museológicas, portuguesas e estrangeiras. Atualmente é professor auxiliar convidado no curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve. Em 2008 recebeu o Prémio AICA/Ministério da Cultura.
Aurora García, natural de Valladolid, formou-se em História da Arte e Filologia Românica na Universidade de Barcelona. Vive em Madrid. Começou a trabalhar como curadora de exposições em 1982 , com o projecto Michelangelo Pistoletto, inaugurado em 1983 no Palácio de Cristal do Parque del Retiro de Madrid (Ministério da Cultura). A essa mostra seguiram-se muitas outras, entre as quais mencionamos Italia Aperta, Raumbilder (com escultores alemães como Thomas Schütte e Reinhard Mucha), Luis Gordillo, Ettore Spalletti. Em paralelo, e até hoje, tem colaborado com inúmeras publicações de arte contemporânea, espanholas e estrangeiras, sendo a principal correspondente da revista americana Artforum em Espanha. Tem também trabalhado como professora, ensinando na Universidade San Pablo-CEU e na Universidade Europeia, ambas em Madrid, nos cursos de Verão da Universidade Internacional Menéndez Pelayo (Santander, Sevilha, Santa Cruz de Tenerife), assim como em ciclos e seminários fora da Espanha (Universidade Internacional de Salzburgo, Faculdade de Belas Artes de Viena, Departamento de Iberística da Universidade de Veneza, e os Seminários Internacionais do Museu Vale (Vitória, Brasil). Em 1992, foi a coordenadora-geral de exposições de arte contemporânea programadas no âmbito de Madrid, Capital Europeia da Cultura. Além disso, representou a Espanha como
curadora nas Bienais de São Paulo (XVIII ed.) e Veneza (XLV ed.).
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(C) imagens e texto: cortesia da Fundação Leal Rios, 2014.