João Louro: The Cold Man

> 06.03.2014

Cristina Guerra, Contemporary Art (Lisboa)

Mr Cold no limiar de uma aventura

por Carlota Gonçalves

O trabalho de João Louro desenvolve-se num espaço de redescoberta perceptiva e afectiva das imagens. Elabora-se como um jogo que se lança sob um traçado conceptual que desafia o olhar, frente a objectos que possuem uma carga inconsciente, conectando-se a memórias da cultura e criando ainda espaços novos para além da sua visibilidade. João Louro, num invulgar exercício de observação e investigação, procede a um mapeamento electivo de elementos da cultura, projectando-os em novas configurações que estimulam uma reflexão maior sobre as coisas.

A reposição de signos e elementos dispersos retirados quer da cultura da imagem, como da linguagem e da filosofia, reinventam-se em novos lugares e transportam-nos para novos trânsitos interpretativos. Lembram-se aqui as suas Blind Images, que se processam pelo apagamento da imagem e a afixação de uma legenda, revisão do universo visual capturado em filmes e livros (em monocromos espelhados); os Phantomgraphs que se desenvolvem sob o signo fantasmagórico da imagem, (imagens de fotogramas de filmes com legenda são vistos em positivo e negativo); as Subtitles que se focam na imagem em movimento do cinema; por fim as Dead’s Images, que afixam direcções como Beckett, Bataille, Wittgenstein, ou um percurso sugerido em kms de pensamento (recortes de placas de sinalética da estrada).

Na última exposição de João Louro, The Cold Man, capas de livros exibem-se em pinturas de grande formato. Os títulos funcionam como portas de entrada para a convocação da palavra ou da imagem, revisitando-se obras chave do património literário que percorrem a ficção, a poesia, o teatro, a auto-biografia, as ciências, etc., – Sartre,  Lautréamont, Mann, Huxley, Thoreau, Darwin, Réage, Beckett, Wittman, Joyce, e Rimbaud – integrando-se numa profusão narrativa e dramática dos vastos mundos ali plasmados. As obras accionam um trabalho de construção e de restituição de memórias, onde cada um vai buscar as imagens que quiser, (e as palavras), nesta fabulosa ostentação anacrónica da cultura que acrescenta múltiplas camadas semânticas.

Cold Man é o nome que se acrescenta como personagem misteriosa, e que se forma como figura literária e cinematográfica. Entre ficção e realidade há um passo curto. Fica-se enredado na possibilidade ficcional deste Mr Cold, que anda a crescer na cabeça do artista, a ganhar forma e corpo, e que aparece como um autor desconhecido, personagem-simulacro em retrato-robot, num encontro inesperado com o espectador. Uma vitrina reúne fragmentos dispersos de memórias que lhe pertencem, e está lançada uma biografia, extraordinária mise en abyme que se reflecte em múltiplos espelhos de uma procura literária e ficcional. Quem é este homem solitário, puro, e de sangue frio, saído de um provável universo noir que cria laços com uma certa literatura de culto, série B? É uma descoberta a fazer que parece não acabar aqui.

“A emoção é um acidente” [1]. Este acidente serve a experiência de The Mr Cold. A emoção é figura do inesperado, do acontecimento, “como nascer, morrer ou sonhar” [2]. As imagens no mundo de João Louro além da sua sedutora materialidade plástica, projectam-se numa ostentação fulgural, e desenvolvem-se como um vírus dissimulado que se pode infiltrar no corpo e percorrê-lo alastrando a produção do seu efeito – palavras do artista acerca da forma de guiar o seu processo de criação.

Resta ao espectador experimentar a obra sabendo que sem saber desenvolve-se uma natural contaminação.

Carlota Gonçalves, Fevereiro, 2014 

A exposição ‘The Cold Man’ patente na Cristina Guerra, Contemporary Art, em Lisboa, termina na próxima semana: finissage da exposição na quinta-feira, 6 de Março, às 22h, com projecção do filme de François Truffaut “Fahrenheit 451”. O artista estará presente para assinatura do poster “Ulysses”, segundo obra do autor.

+ info:

João Louro

Cristina Guerra, Contemporary Art

(C) imagens da exposição ‘The Cold Man’, cortesia Cristina Guerra Contemporary Art, 2014.

[1] Scheinfeigel, Maxime, 2005, “L’émotion est d’abord un récit”, in Revue Cinergon, Cinema et Image, nº13/14, L’ Émotion. Luc sur Orbieu, France.

[2]  Idem.  ‘’(…) a sua configuração tem uma ancoragem pessoal, um ‘carácter (auto)biográfico’ ”.