Carlos No: Fronteira Namban
Baginski, Galeria | Projectos (Lisboa)
>> 7 de Setembro (2013)
– Projecto Convidado
Eram estrelas, sim.
Eram, num filme de Manoel de Oliveira dos anos 80 do outro século, eram estrelas que dançavam num céu ingenuamente azul, sim, ao alto de uma escadaria da Mouraria, por cima de mendigos, sim, mendigos que éramos, eram doze e cantavam-nas como destino, moeda, Charpentier, era de noite e brilhavam.
Encontro-as agora aqui, estrelas amarelas num chão que foi céu, Europa, território, terreno, apenas um pequeno praticável, chão que pisamos, chão defendido.
Foram sonho, desejo, trabalho, chamou-se-lhe União, são chão azul como se diz que é o planeta visto de muito longe, azul como a distância.
E há uma baliza, grade, arame, gradeamento, há um biombo, polícia, equipamento desportivo, há um impedimento, chamemos-lhe distância de novo, podemos chamar-lhe desafio, trampolim, espaldar, como sempre no desporto, ultrapassagem.
Como são estas estrelas para quem morre a sul, em África, como brilham elas?
Pensamos, é claro, nesse mar mediterrâneo, mar que quem o cantou disse ter sido de encontros, trocas, descobertas, comércio – e agora é ferida sulcada por barcos clandestinos, miseráveis que morrem olhando as estrelas nas areias de Espanha, Itália, Lampedusa, territórios protegidos, pensamos no mediterrâneo.
E eu penso na espada com que Dido, a de Cartago, norte de África, se matou, ao ver o amado Eneias partir para o outro lado do mar, para cumprir o seu destino, fundar Roma, cidade da Lei, a primeira estrela. Ficou sempre essa ferida, que Schengen cimentou, o mediterrâneo é agora cratera aberta, ferida purulenta.
No entanto, ao acentuar pelo título o biombo que a peça surpreendentemente também é, Carlos No aponta-nos um momento (cantado apenas?) em que artes e culturas, gentes e distâncias, línguas até, e tão diferentes, se sonharam, se juntaram de costa a costa, por mares adentro, namban, outro paraíso para gente que se lembra, sabemos lá se foi assim, dizemos.
São sonhos que sonhamos, federações, uniões, desejos, tratados, abraços, e há estrelas pelos céus. Mas a defesa desses sonhos, a salvaguarda, Schengen, a protecção – mata quantos mortos de morte certa?
No silêncio que as dimensões da peça tornam majestático, demoremo-nos um minuto: há morte neste chão, curvemo-nos. – Jorge Silva Melo (Maio 2013)
Carlos No (Lisboa, 1967) vive e trabalha na Ericeira. Fez o curso de Pintura no Ar.Co –Centro de Arte e Comunicação Visual, 1987-1992, tendo frequentado ainda o curso de escultura em 1987. Desde 1991 que vem participando em várias exposições colectivas, quer em Portugal quer no estrangeiro, realizando a primeira exposição individual em 1994. Em 1993 recebeu o 1º prémio de pintura na Feira de Arte de Portimão e em 1995 foi seleccionado para a representação portuguesa à Bienal de Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo, em Rijeka, na Croácia. O seu trabalho está representado em diversas colecções institucionais e particulares em Portugal e no estrangeiro.
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(C) imagens: Cortesia de Baginski, Galeria | Projectos