Lapa do Lobo (livro de fotografia)

O fotógrafo, Tito Mouraz, com raízes na Lapa do Lobo (Nelas, Viseu) lançou um desafio à Fundação Lapa do Lobo, de durante um ano, e, em conjunto com mais cinco fotógrafos, realizar um projecto fotográfico nessa aldeia, o qual resultaria, posteriormente, num livro. O trabalho de recolha de imagens teria a duração de um ano, de forma a permitir uma grande interacção dos fotógrafos com o ambiente humano e paisagístico da aldeia.

Os fotógrafos: 

José Pedro Cortes | André Cepeda | Tito Mouraz | José Bacelar | Ângela Berlinde | Paulo Catrica

A Fundação Lapa do Lobo apoiou a proposta e, assim, nasceu o Projecto Fotográfico Lapa do Lobo. Durante um ano, os seis fotógrafos foram visita constante da aldeia, viveram junto das suas gentes, partilharam tradições e rituais, numa relação de proximidade muito forte, presenciaram o dia a dia da Lapa do Lobo. Destes seis olhares, destas seis abordagens, totalmente, distintas nasce este livro, que vai, seguramente, imortalizar as  pessoas e os lugares dessa região. Não é apenas um livro de fotografia, é um livro de afectos, de emoções, de saudades. – Fundação Lapa do Lobo

Livro

Lapa do Lobo

Locais de venda 

Livrarias:

Stet (Lisboa) | Inc (Porto) | Fnac Norte Shopping (Porto) | Centésima Página (Braga) | XYZ (Lisboa)

Online:

Photo Book Corner | XYZ Books

Na sua origem, o processo inventivo da fotografia constituiu um acumular de vontades e descobertas que, no seu conjunto, permitem o registo de memórias mais próximas da realidade. O projeto Lapa do Lobo tangencia essa ontologia fotográfica: cada autor descobre e dá-nos a conhecer um espaço que fica memorizado em cada disparo da máquina fotográfica. O resultado constitui, assim, uma visão plural de cada autor que partilha com o observador momentos de síntese da sua aprendizagem e cultura visual.

A existência física da freguesia de Lapa do Lobo fica, deste modo, mapeada em olhares fragmentados e subjetivos longe do registo postal ou turístico. Cada um dos autores domestica o espaço obrigando o espectador a ler cada imagem como algo em que não pensara antes.

O conhecido filósofo Walter Benjamin diz-nos que “A necessidade de trazer as coisas para mais «próximo», espacial e humanamente, é quase uma obsessão hoje em dia, tal como a tendência para negar o carácter único ou efémero de um dado acontecimento reproduzindo-o fotograficamente. Há uma compulsão cada vez mais intensa para reproduzir o objeto fotograficamente, em grande plano…” (…) (1)

– Rui Prata, sobre o livro ‘A Lapa do Lobo’ (Abril, 2013)

Se há memórias que me marcam, a Rua da Cabine, na Lapa do Lobo, é uma delas. Ali passei grande parte das minhas férias escolares, entre a casa e a mercearia dos meus avós maternos e o Vale do Boi, onde o meu avô amanhava a terra.

Hoje, tudo está diferente. Já não existem os habituais encontros com os amigos e primos, os almoços familiares de domingo, os pontapés na bola, as idas para o campo atrelado na bicicleta do meu avô, o cheiro a cigarros Kentucky da tasca, os relatos de futebol, as conversas dos mais velhos e as respetivas taças de vinho para lavar. A mercearia mais antiga da aldeia já não tem o brilho de outrora. A Rua que a serve não passa agora de um trajeto entre as casas e os quintais, um caminho cada vez menos palmilhado.

Impulsionado por uma motivação interior e através de uma narrativa íntima, senti a necessidade de interpretar esta dualidade de emoções fortes e assim criar uma série de imagens que, além de explorar visualmente um conceito de identidade pudesse também estabelecer uma ligação entre o Ontem e o Hoje. Haverá melhor termo para descrever esta relação do que a palavra Vida?

A escolha das fotografias que dão corpo a este volume, são também o resultado entre a presença e a ausência do meu avô.

Viver e perpetuar a sua memória é agora um privilégio.

Fernando Ramos era o meu avô. Perdi-o em janeiro de 2013, já no decorrer deste trabalho.

– Tito Mouraz

Entre contemplar o que passou e fazer uma expe- dição à Lua há curiosas semelhanças. O facto de me acontecer viver a primeira com a mesma frequência com que desejo a segunda não é mera coincidência.

Sempre que revivo mentalmente os lugares por onde passei, tenha sido ontem ou anteontem, sinto-me uma espécie de lunático de trazer por casa.

Ver ou rever coisas, lugares, pessoas não é mais do que apontar uma lanterna fosca desde o quarto min- guante da Lua. Só sombra, só floresta densa a irromper pelos muros colossais, pessoas de pedra e animais de vento, noites em fuga pela estrada que se mata pelas matas adentro. Aldeias que ficaram de raízes soltas ou avulsas ou sem raízes a orbitar remotamente sem gravidade nenhuma e a respirar para dentro de si mesmas como quem mergulha nas costas do tempo. Carcaças de casas sem gente expedidas anteontem para a Lua, e por acidente. O filme é negro e a luz um cometa, a história uma dúvida, qualquer presença eternamente distante e a vida inteira pouco mais do que uma aldeia vista a montante.

– José Bacelar

Nunca serei fotógrafa o suficiente para revelar a força felina do poeta eternamente enamorado, esse Zé Marinheiro que procurou fazer o mais claro enquadramento das longas tardes de espera pela sua amada, em que tudo roubou ao futuro do mundo.

Uso desta forma a ideia da imagem na busca do instante das coisas, na procura de retratar esse amor tão universal, tão difícil de amanhar. Nessa viagem interior, precisei deste naufrágio para refazer a causa perdida no tempo e vindimar neste espaço. 

Fragmentos de histórias, recuperam o fio da minha geografia e situam-me na âncora Lapa, do Lobo. Convenço-me de que a história era uma enorme árvore, agora retalhada em sen- tidos troncos. Como o mundo mudou, Catarina.

E, no entanto, esse território de hesitação de cada imagem é o rastilho de um drama psicológico que se insinua sem nunca chegar a revelar-se: a partida, a ausência e as recordações pulsam numa exótica história de cinema, a desfechar numa eterna viagem de jangada.

Eis-me ali a abraçar essa carta que chega além-mar com o peito entregue às balas, dessa colonial partida. É nesta estação que repousa o coração do lobo.

A memória é o caos, sem começo nem fim.

Desfiar esse novelo é, no caso da fotografia, este difícil papel.

– Ângela Berlinde

(1) Walter Benjamin, citato por Susan Sontag, 1986, p.165)