Tomaz Hipólito: reset_00
Cristina Guerra – Contemporary Art
Pequenas epifanias quotidianas
O percurso subterrâneo de Tomaz Hipólito tem vivido num estranho limbo entre arte e arquitetura que perpassa pelas várias possibilidades que tem vindo a desenvolver, quer no uso do desenho, da fotografia, do vídeo, da performance ou da escultura. Nenhum destes nomes, no entanto, lhe serve muito bem, porque, em cada uma destas práticas artísticas, as suas regras de conceção e realização se regem por protocolos que lhe são estranhos: faz fotografia mas não é fotógrafo, interessa-se pelo espaço mas não é arquiteto, faz desenhos e pinturas mas não é pintor. O que reúne esta multiplicidade de procedimentos?
O ponto comum entre estas práticas é um interesse indisciplinado pela arquitetura que se converteu num interesse pelo espaço tomado de um ponto de vista que, ora é fenomenológico, ora é concetual (isto é, surge sob a forma da demonstração de uma ideia). Nos seus desenhos, esta preocupação começou por surgir a propósito da relação entre objetos e a sua sombra, o que é uma indicação clara sobre a relação com a fisicalidade da superfície de um determinado espaço entendido na sua materialidade. A sombra é a marca da invisibilidade (porque é a ausência de luz), mas a sua inscrição num suporte é uma confirmação da existência de um alvo, ou seja, de uma superfície que enclausura e define uma determinada espacialidade que autoriza a existência de um objeto que se denuncia na interposição em relação à fonte lumínica.
Esta preocupação com a forma como um objeto é perceptível porque existe na imanência de um espaço veio a conhecer diferentes desenvolvimentos no seu percurso. As esculturas que resultam da justaposição de objetos díspares recolhidos ao seu quotidiano e aos encontros furtuitos do dia a dia não existem enquanto obras senão no momento em que, numa situação de habitação, substituem um elemento do conjunto de peças que pertencem à idiossincrasia de um qualquer lugar. Frequentemente esse lugar é portador de uma ordem, mesmo que essa ordem seja a do espaço heteróclito que define um contexto sócio-económico. No entanto, estas esculturas, antes do processo de substituição lhes outorgar uma existência fenoménica, existem como objetos fotografados. O mal-entendido que a situação gera é particularmente curioso, porque os objetos existem como imagem antes de ganharem vida como objetos, o que só é possível pelo processo de substituição, mas cuja fugaz vida substituta só pode ter lugar novamente como imagem.
(…)
A performance que agora se apresenta no espaço da Galeria Cristina Guerra representa uma outra forma de concretização da relação de mapeamento do espaço. Muitas vezes essa descoberta é uma micro-ficção que pontua uma ordem que a transcende – uma paisagem nos Açores, Death Valley, os telhados de Nova Iorque, outras vezes é o léxico de um gesto quase didático, ou revelador de uma aprendizagem metódica, que parece colidir com um determinado estado-de-coisas, como acontece nas imagens dos ateliês dos arquitetos.
Em qualquer dos casos, é de pequenas epifanias que se trata.
Que mais interessa?
– Delfim Sardo
Apresentação única – dia 6 de Março – 22h
Cristina Guerra – Contemporary Art
(n. 1969, Lisboa). Estudou Arquitectura. Vive e trabalha entre Lisboa e Nova Iorque.
‘Com arquitectura como formação, o meu trabalho é uma contínua investigação sobre os conteúdos da arquitectura. Os temas centrais são exaustivamente revisitados, começam com a investigação e encenação do modo pelo qual apreendemos as relações entre as pessoas, objectos e espaço. Múltiplos suportes, tais como fotografia, vídeo, desenho, pintura e performance, são utilizados para melhor revelar o conceito de cada trabalho. Atitudes aleatórias sobre projectos específicos actuam nos espaços expositivos, de forma a criar experiências singulares. O processo faz parte da obra. Todas as obras são peças únicas.’ – Tomaz Hipólito
Projectos recentes: 2012 nature_01 “Moss Me”, Elastic-City, Nova Iorque/ 2012 home_02, Arte Institute, Nova Iorque/ 2011 draw_03, Appleton Square, Lisboa/ 2011 draw_02, Residency Unlimited, Nova Iorque/ 2011 reflex_00, Abrons Arts Center, Nova Iorque/ 2011 rebuild_00, Emily Harvey Foundation, Nova Iorque/ 2011 layer_02, Union Square Park, Arte Institute, Nova Iorque/ 2011 censura_01, Hunter College, Nova Iorque/ 2011 layer_01, Lumen Festival, Nova Iorque/ 2010 poem_01, Emily Harvey Foundation, New York.
Próximos projectos: 2013 rebuild_01, Galeria Baginski, Lisboa/ 2013 projecto_xx, Galeria 102-100, Castelo Branco/ 2013 projecto_xx, Rooster Gallery, Nova Iorque/ 2013 projecto_xx Residency Unlimited, Nova Iorque/ 2014 projecto_xx Ermida de Belém, Lisboa.