Robin Vanbesien: Gravidade

> 22 de Março, 2015

Lumiar Cité (Lisboa)

Porque se sente sozinho, o marinheiro está sempre a dizer a si mesmo quem ele é, escreve Kathy Acker no conto Lust (1988), enquanto revisita Querelle de Brest (1947) de Jean Genet, romance em torno de um jovem marinheiro e o compromisso entre um assassinato e um ato sexual transgressivo. O marinheiro está longe de casa, sempre sozinho, o que lhe permite agir dentro da ilusão de uma miragem. Partindo do conceito de “marinheiro” de Acker e Genet, Robin Vanbesien desdobra em figura metonímica um desejo inominável que circula através de objetos parcialmente pintados e prolíficas imagens poéticas invocadas por palavras. Personagens, géneros e corpos emergem no mar precedendo a possibilidade de uma indecifrável fantasia erótica (homoerótica ou apenas autoerótica). As relações revelam-se dissociadas, resultado do desejo de uma personalidade esvaziada. Tudo parece ser oferecido com gravidade, aquela que produz uma voz passiva dos verbos, gestos estáticos e composições encenadas. A paisagem, pintada ou filmada, funciona como meio para circunscrever as figuras e reflete a noção de um olhar enquadrado que deixa o seu objeto num diálogo especular. Embora pareçam abranger a unidade plástico-pictórica de cada um, do autor e do seu herói, da figura e do espetador, todos são reunidos em mundos afastados uns dos outros.

“Gravidade” apropria-se do título do filme homónimo (1), que é colocado no centro de uma distribuição circular de sete pinturas pelo espaço expositivo. As pinturas dividem em partes uma figura na paisagem, formando assim uma série de fragmentos de corpos enquanto objetos parciais, separados tanto da figura como dos seus envolventes imaginários (testículos, pénis, mãos, línguas, peixes, etc.). Através de um diálogo quase poético, a expressiva qualidade pictórica das figuras encenadas do filme torna-se num outro tipo de pintura, em torno da qual as outras imagens na sala gravitam. Por conseguinte, o filme proporciona a ilusão de restaurar a fragmentação indiciada em cada imagem.

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Robin Vanbesien

Lumiar Cité

Actividades paralelas:

21.03 (17h) | Conversa com Willem Oorebeek e Robin Vanbesien.

Robin Vanbesien (1979, Ostend, Bélgica) vive e trabalha em Bruxelas. Estudou História na University of Ghent, Artes Plásticas na Gerrit Rietveld Academy e na de Ateliers (Amsterdão). Entre as suas exposições individuais e coletivas recentes destacam-se: “Celluloid Brushes”, Culturgest (Porto, 2015) / Ludlow 38 (Nova Iorque, 2013) / Witte de With (Roterdão, 2012); “lighting the throat = lighting the throat”, Objectif Exhibitions (Antuérpia, 2014); “stray fire / ships to sink like this”, Rupert (Vilnius, 2014); “F. Hodler” (com Willem Oorebeek), Pinacoteca (Viena, 2014); “What thinks me”, Taiga (São Petersburgo, 2014); “duty-bound away from the keyboard of the screen of my face”, WIELS Project Room (Bruxelas, 2014); “Monstrance Air Pump”, San Serriffe (Amsterdão, 2013); “The Incapacity Not to Enter into Every Skin”, Walden Affairs (Haia, 2012); ‘Ville en abîme’, Hotel Charleroi (Charleroi, 2012); e “A Means to a Place” Mu.ZEE (Ostend, 2012). Participou em várias residências artísticas, entre as quais: Programa de Residências da Maumaus (Lisboa, 2014/2015); Capacete (Rio de Janeiro, 2014), Rupert (Vilnius, 2014) e WIELS Residency (Bruxelas, 2013). É autor do livro de artista “Instant Ruins” (MER. Paper Kunsthalle, 2012).

(1) Gravidade (2015, HD, 23’) foi produzido durante a residência do artista no Programa Internacional de Residências da Maumaus. Realização: Robin Vanbesien; Atores: Cláudio da Silva, Diogo Bento, Ricardo Vaz Trindade; Direção de Fotografia: Graça Castanheira; Som: Isabel Dias Martins; Correção de Cor: Graça Castanheira; Mistura de Som: Bart Aga; Montagem: Robin Vanbesien; Assistente de Produção: Rui Gonçalves; Texto: Robin Vanbesien; Tradução: Pedro Sena-Lino, Rui Gonçalves.

(C) Texto e imagens: cortesia do artista e Lumiar Cité. Fotografias: DMF Fotografia.